O Compromisso
- Agora informações do trânsito com o nosso repórter Gustavo Alcântara. É com você Gustavo.
- Boa tarde, Oliveira. São dezoito horas e vinte e três minutos e eu estou nas proximidades do cruzamento da Rua Brigadeiro Franco com a Rua Martin Afonso, local em que um terrível acidente aconteceu há cerca de quinze minutos. O motorista de um ônibus biarticulado perdeu o controle e tombou o veículo neste cruzamento, colidindo com seis carros e deixando dezenas de feridos. A recomendação da BPTran é que os motoristas evitem as ruas Brigadeiro Franco e Martin Afonso.
Que bela merda. Descobrir que o trânsito está bloqueado uma quadra à frente e sem qualquer espaço para dar meia volta. Em dias normais já não se passa por aqui em menos de dez minutos. Hoje então, fudeu. Se não fosse o compromisso, um bom carro como esse permitiria horas de espera. O banco do motorista é mais confortável que a cama de muita gente. Mas tem o compromisso.
Tirou da rádio e colocou sua playslist favorita. Nada do que digam vai fazer o trânsito andar mais rápido mesmo.
Pegou o celular, pensou em mandar uma mensagem avisando sobre o inevitável atraso. Só que hoje ele não podia dar outra desculpa. Era verdade, mas ainda assim era uma desculpa. Especialmente quando contam contigo e você não quer desapontar. Pelo menos não novamente.
Há quanto tempo estava parado no mesmo lugar? Três músicas. Talvez quatro. Músicas de punk rock, então não deveria ser tanto tempo assim.
Mais a frente surgiu uma vaga de estacionamento no lado esquerdo da via. Ele poderia estacionar lá e tentar pegar um táxi ou um uber, até um ônibus, e buscar o carro mais tarde. Só que alguém teve a mesma ideia e a vaga foi ocupada antes que conseguisse chegar até ela.
O computador de bordo notificou a chegada de uma nova mensagem.
- Onde você está? - Aparecia na tela.
Apertou o botão do volante com a imagem de uma pessoa com a boca aberta e falou:
- Eu, eu já tô chegando. Espera só mais uns minutinhos. Se atrasar vai ser menos de cinco minutos - Soltou o dedo do botão. Mensagem de áudio enviada.
Foi apenas o tempo de enviar a mensagem que outra vaga de estacionamento surgiu. A sorte estava sorrindo para ele. Estacionou o carro e saiu correndo pela rua com sua mochila nas costas.
Pegou um uber cinco quadras à frente. Apesar do horário de rush, o motorista conseguiu andar por algumas ruas pouco movimentadas, evitou as proximidades de um estádio de futebol em que ocorreria um grande jogo e pegou mais semáforos abertos do que fechados. Finalmente chegou ao seu destino.
- Oh filho da puta! Vinte minutos de atraso. Quer me fuder? - Gesticulava o rapaz vestido com a camisa do Coritiba.
- Foi mal. Deu a maior merda no caminho, um acidente trancou tudo lá no Bigorrilho.
- Eu não venho mais. A gente sempre tem que jogar com oito, com nove. Sempre tem um que fura, um que atrasa, porque tá doente, porque é aniversário da sogra, porque não sei o que. Porra, assim não tem condições - esbravejava outro homem que estava com um colete laranja e sem camisa.
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